Geomix, a geotecnologia no ensino de Geografia
terça-feira, 29 de junho de 2010
segunda-feira, 28 de junho de 2010
Artigo III
ASPECTOS URBANÍSTICOS E AMBIENTAIS: A ECOLOGIA DA DESIGUALDADE
Apesar das características de diminuição do crescimento demográfico e da taxa de natalidade, é notável a dimensão da dinâmica de urbanização durante todo o século XX, como já foi destacado. Trata-se, entretanto, de uma gigantesca construção de cidades, parte dela feita fora da lei, sem a participação dos governos, sem recursos técnicos e financeiros significativos. Ou seja, é um imenso empreendimento, bastante descapitalizado e construído com técnicas arcaicas, fora do mercado formal.
Não há números gerais, confiáveis, sobre a ocorrência de favelas em todo o Brasil. Por falhas metodológicas ou ainda por uma dificuldade óbvia de conhecer a titularidade da terra sobre a qual as favelas se instalam, a Fundação IBGE, órgão responsável pelo censo demográfico anual, apresenta dados bastante subdimensionados. A busca de números mais rigorosos conduz a algumas prefeituras municipais, teses acadêmicas, centros universitários ou organismos públicos estaduais, que, entretanto, fornecem apenas dados pontuais.
A divulgação dos resultados iniciais do Censo IBGE de 2000 dá a entender que, entre 1991 e 2000, o número de favelas teria aumentado 22% em todo o Brasil, atingindo um total de 3.905 núcleos. Segundo o mesmo levantamento, o Município de São Paulo, que em 1991 apresentava 585 favelas, passa a registrar 612 em 2000. No entanto, levantamentos realizados pela Secretaria de Habitação e Desenvolvimento Urbano da Prefeitura de São Paulo, classificando a situação e a localização de cada núcleo de favela, revelavam a existência de 763 núcleos já em 1980, e 1.592 núcleos em 1987. O IBGE não contabiliza como favela núcleos que possuam menos de 50 unidades. Mas a diferença não se deve, simplesmente, a essa questão metodológica, embora algumas pesquisas mostrem que o número de núcleos com menos de 50 domicílios é expressivo. A maior dificuldade é identificar a situação fundiária dos assentamentos, já que nem mesmo muitos dos governos municipais têm esse conhecimento, que permitiria uma classificação rigorosa.
Segundo dados do Censo IBGE de 1991, Porto Alegre teria 7,89% da população morando em favelas. No entanto, segundo dados de um censo realizado pela Prefeitura Municipal (DEMHAB), esse total é de 22,11% da população. Desses, 4,81% moram em favelas com menos de 51 domicílios.
Consultando diversas fontes, o LABHAB/FAUUSP reuniu dados estimados para a população moradora de favelas em algumas cidades brasileiras: Rio de Janeiro, 20%; São Paulo, 22%; Belo Horizonte, 20%; Goiânia 13,3%; Salvador, 30%; Recife, 46%; Fortaleza, 31%. Os dados mostram um quadro que é impressionante sob qualquer critério. Mesmo considerando a precariedade da medição das moradias e do total da população residente em favelas, feita pelo IBGE, comparando os censos de 1980 e 1991 verifica-se que seu crescimento foi superior a 7% ao ano.
Mas o universo das favelas não esgota sua ilegalidade na ocupação do solo. Se a ele se somar o universo dos loteamentos ilegais, deve-se chegar à maior parte da população dos municípios de São Paulo e do Rio de Janeiro. Os números a respeito são, novamente, imprecisos e mesmo desconhecidos na maior parte das cidades brasileiras. A falta de rigor nos dados, que mostra o pouco interesse no conhecimento do tema, já é, por si, reveladora.
Em outras ocasiões apresentamos dados sobre a ilegalidade na ocupação do solo, uma máquina de produzir favelas e agredir o meio ambiente. O número de imóveis ilegais na maior parte das grandes cidades é tão significativo que, inspirados na interpretação de Arantes (1992) e Schwarz (1990) sobre Brecht, podemos repetir que "a regra se tornou exceção, e a exceção, regra". A cidade legal (cuja produção, pode-se dizer, é capitalista) caminha para ser, cada vez mais, espaço da minoria.
O direito à invasão é até admitido, mas não o direito à cidade. A ausência do controle urbanístico (fiscalização das construções e do uso/ocupação do solo) em certas áreas das cidades convive com sua "flexibilidade", dada pela pequena corrupção, na cidade legal. Legislação urbana detalhista e abundante, aplicação discriminatória da lei, gigantesca ilegalidade e predação ambiental constituem um círculo que se fecha em si mesmo.
Mas de todas as mazelas decorrentes desse processo de urbanização no qual uma parte da população está excluída do mercado residencial privado legal e da produção formal da cidade uma das mais graves talvez possa estar localizada na área de saneamento. Uma bem-sucedida política de expansão do acesso à rede de água tratada transformou positivamente, como visto anteriormente, os números relativos à mortalidade infantil. Porém, na década de 80 e especialmente nos anos 90, houve um recuo nos investimentos em saneamento, quando o ciclo indispensável para universalizar o atendimento da população com água tratada não foi atingido e menos ainda o adequado destino do esgoto. Em 1998, 55% dos domicílios no país não tinham acesso à água potável. Desses, 11,4 % eram urbanos. Ainda no universo urbano, 48,9% dos domicílios não eram atendidos pela rede de esgotos. Segundo dados do governo federal, "apenas 24% do esgoto sanitário produzido pelos domicílios atendidos pelas 27 grandes companhias estaduais prestadoras de serviço de saneamento recebe tratamento, (...) apenas 15% do esgoto produzido nos domicílios brasileiros recebe tratamento e uma porcentagem ainda menor tem uma destinação final no meio ambiente sanitariamente adequada" (Presidência da República, 1998).
O destino das águas servidas e do esgoto, assim como de boa parte do lixo sólido produzido, fica evidente no desastroso comprometimento das redes hídricas, dos mananciais de água, das praias, dos mangues ou de qualquer outra localização nos arredores das cidades que não seja de interesse do mercado imobiliário.
Não há números gerais, confiáveis, sobre a ocorrência de favelas em todo o Brasil. Por falhas metodológicas ou ainda por uma dificuldade óbvia de conhecer a titularidade da terra sobre a qual as favelas se instalam, a Fundação IBGE, órgão responsável pelo censo demográfico anual, apresenta dados bastante subdimensionados. A busca de números mais rigorosos conduz a algumas prefeituras municipais, teses acadêmicas, centros universitários ou organismos públicos estaduais, que, entretanto, fornecem apenas dados pontuais.
A divulgação dos resultados iniciais do Censo IBGE de 2000 dá a entender que, entre 1991 e 2000, o número de favelas teria aumentado 22% em todo o Brasil, atingindo um total de 3.905 núcleos. Segundo o mesmo levantamento, o Município de São Paulo, que em 1991 apresentava 585 favelas, passa a registrar 612 em 2000. No entanto, levantamentos realizados pela Secretaria de Habitação e Desenvolvimento Urbano da Prefeitura de São Paulo, classificando a situação e a localização de cada núcleo de favela, revelavam a existência de 763 núcleos já em 1980, e 1.592 núcleos em 1987. O IBGE não contabiliza como favela núcleos que possuam menos de 50 unidades. Mas a diferença não se deve, simplesmente, a essa questão metodológica, embora algumas pesquisas mostrem que o número de núcleos com menos de 50 domicílios é expressivo. A maior dificuldade é identificar a situação fundiária dos assentamentos, já que nem mesmo muitos dos governos municipais têm esse conhecimento, que permitiria uma classificação rigorosa.
Segundo dados do Censo IBGE de 1991, Porto Alegre teria 7,89% da população morando em favelas. No entanto, segundo dados de um censo realizado pela Prefeitura Municipal (DEMHAB), esse total é de 22,11% da população. Desses, 4,81% moram em favelas com menos de 51 domicílios.
Consultando diversas fontes, o LABHAB/FAUUSP reuniu dados estimados para a população moradora de favelas em algumas cidades brasileiras: Rio de Janeiro, 20%; São Paulo, 22%; Belo Horizonte, 20%; Goiânia 13,3%; Salvador, 30%; Recife, 46%; Fortaleza, 31%. Os dados mostram um quadro que é impressionante sob qualquer critério. Mesmo considerando a precariedade da medição das moradias e do total da população residente em favelas, feita pelo IBGE, comparando os censos de 1980 e 1991 verifica-se que seu crescimento foi superior a 7% ao ano.
Mas o universo das favelas não esgota sua ilegalidade na ocupação do solo. Se a ele se somar o universo dos loteamentos ilegais, deve-se chegar à maior parte da população dos municípios de São Paulo e do Rio de Janeiro. Os números a respeito são, novamente, imprecisos e mesmo desconhecidos na maior parte das cidades brasileiras. A falta de rigor nos dados, que mostra o pouco interesse no conhecimento do tema, já é, por si, reveladora.
Em outras ocasiões apresentamos dados sobre a ilegalidade na ocupação do solo, uma máquina de produzir favelas e agredir o meio ambiente. O número de imóveis ilegais na maior parte das grandes cidades é tão significativo que, inspirados na interpretação de Arantes (1992) e Schwarz (1990) sobre Brecht, podemos repetir que "a regra se tornou exceção, e a exceção, regra". A cidade legal (cuja produção, pode-se dizer, é capitalista) caminha para ser, cada vez mais, espaço da minoria.
O direito à invasão é até admitido, mas não o direito à cidade. A ausência do controle urbanístico (fiscalização das construções e do uso/ocupação do solo) em certas áreas das cidades convive com sua "flexibilidade", dada pela pequena corrupção, na cidade legal. Legislação urbana detalhista e abundante, aplicação discriminatória da lei, gigantesca ilegalidade e predação ambiental constituem um círculo que se fecha em si mesmo.
Mas de todas as mazelas decorrentes desse processo de urbanização no qual uma parte da população está excluída do mercado residencial privado legal e da produção formal da cidade uma das mais graves talvez possa estar localizada na área de saneamento. Uma bem-sucedida política de expansão do acesso à rede de água tratada transformou positivamente, como visto anteriormente, os números relativos à mortalidade infantil. Porém, na década de 80 e especialmente nos anos 90, houve um recuo nos investimentos em saneamento, quando o ciclo indispensável para universalizar o atendimento da população com água tratada não foi atingido e menos ainda o adequado destino do esgoto. Em 1998, 55% dos domicílios no país não tinham acesso à água potável. Desses, 11,4 % eram urbanos. Ainda no universo urbano, 48,9% dos domicílios não eram atendidos pela rede de esgotos. Segundo dados do governo federal, "apenas 24% do esgoto sanitário produzido pelos domicílios atendidos pelas 27 grandes companhias estaduais prestadoras de serviço de saneamento recebe tratamento, (...) apenas 15% do esgoto produzido nos domicílios brasileiros recebe tratamento e uma porcentagem ainda menor tem uma destinação final no meio ambiente sanitariamente adequada" (Presidência da República, 1998).
O destino das águas servidas e do esgoto, assim como de boa parte do lixo sólido produzido, fica evidente no desastroso comprometimento das redes hídricas, dos mananciais de água, das praias, dos mangues ou de qualquer outra localização nos arredores das cidades que não seja de interesse do mercado imobiliário.
Extraido do texto: URBANISMO NA PERIFERIA DO MUNDO GLOBALIZADO: metrópoles brasileiras
De Ermínia Maricato: Professora e Coordenadora da Pós-Graduação da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP. Ex-Secretária de Habitação e Desenvolvimento Urbano do Município de São Paulo. Autora do livro A cidade do pensamento único.
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